Paraty: Disputa por terras leiloadas ameaça tranquilidade e patrimônio mundial

  • 13/07/2025
Em abril, um leilão determinou a venda de 32 áreas no município. Os lotes incluem locais em 63 ilhas, além de uma área dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Paraty à venda Paraty, um dos destinos turísticos mais importantes do Brasil, enfrenta uma grave disputa judicial. Parte do município, no litoral sul do Rio de Janeiro, foi leiloada, incluindo áreas dentro das ilhas e até mesmo em parques nacionais. A situação, revelada em reportagem do Fantástico, surpreendeu os moradores e alterou o clima de tranquilidade que sempre caracterizou esse paraíso. No coração dessa disputa está o Mamanguá, uma formação geológica singular no litoral brasileiro, descrita como um "braço de mar". Com oito quilômetros de extensão por dois de largura, ele abriga um grande manguezal, considerado um berçário marinho, e é um local abrigado de ressacas e ondas. Essa beleza natural e cultural de Paraty, patrimônio mundial, está localizada a meio caminho entre as duas maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, a calma local é apenas aparente. Gilcimar Corrêa, presidente da Associação de Moradores do Mamanguá, relata que o estado emocional da população está "completamente abalado", com pessoas que "não conseguem dormir direito" e que ficam "o tempo todo atento no mar se vem algum barco diferente". Terras em leilão A aflição tem um motivo concreto: em abril, um leilão determinou a venda de 32 áreas no município. Os lotes incluem locais em 63 ilhas, como a pequena Ilha do Cedro e a grande Ilha do Algodão, além de terrenos nas encostas do Mamanguá, praias, montanhas e uma área dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Anderson Nascimento, chefe do ICMBio Paraty, enfatiza que são "áreas sob regime especial de proteção", com "regras e restrições de uso e ocupação". As terras em questão pertenciam ao comerciante português José Maria Rollas, que fez fortuna com aluguel de roupas de luxo no Rio de Janeiro. Ele adquiriu os terrenos em um leilão da Receita Estadual em 1936, com a intenção de acumular bens para a família, e não para aproveitamento, preservando-os como "bem de família". Os novos proprietários conheceram as áreas pelos anúncios do leilão, que as apresentavam como cenários paradisíacos, mas que, na verdade, não mostravam as casas e as pessoas que já viviam no local. Moradores como Eder Costa, da Ilha do Araújo, criticam a situação, afirmando que "eles compraram um papel, né. Tem gente aqui", referindo-se à "população tradicional", como pescadores e pessoas que vivem do turismo de base. Essa situação gerou uma "angústia que é quase uma doença" e a sensação de estar "à deriva, sem saber o que vai acontecer". Áreas ocupadas há 200 anos Muitas das famílias afirmam que habitavam as terras antes mesmo de José Maria Rollas as adquirir. Cleonice dos Santos, moradora da Ilha do Cedro, explica que a comunidade local existe há cerca de 200 anos, com gerações (até a sétima) vivendo ali. Neli Costa dos Santos, do Mamanguá, mostra um documento de 1912, da época de seus avós, comprovando o pagamento de imposto pelas terras onde vive até hoje. As áreas leiloadas também incluem terrenos com uma escola pública e duas igrejas. A incerteza é agravada pelas descrições vagas das antigas certidões de propriedade, que utilizam expressões como "uma situação de terras" ou "dividindo com quem de direito". A maioria das terras está inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu, criada em 1983 para proteger tanto a natureza quanto a cultura caiçara. A advogada Thatiana Lourival, do Fórum de Comunidades Tradicionais, levanta a questão se os compradores sabiam que estavam adquirindo um problema, considerando que os valores dos lotes foram "muito pequenos para áreas muito grandes", sugerindo uma expectativa de realizar "grandes empreendimentos ali". Um dos compradores da Ilha do Cedro, que arrematou parte da ilha por R$ 437 mil, já pediu a "desistência da arrematação", alegando desconhecer que o local estava "completamente ocupado por população tradicional caiçara". O advogado Gustavo Kloh, mestre e doutor em Direito Civil, explica que "quem comprou pode ter feito um mau negócio" devido às restrições ambientais e à proteção dos direitos dos caiçaras. No entanto, advogados de outros compradores afirmam que agiram conforme a lei e estão abertos a negociar com os moradores, desde que "respeitados os direitos nossos". Apesar de o juiz ainda não ter autorizado a posse, moradores relatam já sofrer assédio de alguns vencedores do leilão. Diante do cenário, o Ministério Público Federal, a Advocacia Geral da União e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro já solicitaram a anulação do leilão. A indignação se estendeu às ruas de Paraty, com manifestações e o grito de "Paraty é terra caiçara!" durante o Festival de Jazz da cidade. Há, inclusive, o temor de que Paraty possa perder seu título de Patrimônio Mundial. Marcela Cananeia, do Fórum de Comunidades Tradicionais, aponta que um dos critérios da Unesco para o reconhecimento foi justamente "essa troca do povo tradicional, da cultura viva com o meio ambiente". O advogado das herdeiras, Nizzo de Moura, defende a legitimidade do leilão, afirmando que uma anulação seria objeto de recurso e que, no máximo, haveria "necessidade de uma conciliação de direitos" entre a posse dos caiçaras e a propriedade adquirida no leilão. Gustavo Kloh reitera a importância de preservar as áreas, não apenas ambientalmente, mas também turística e economicamente, pois a "descaracterização dessas áreas é uma perda para todos nós". Ouça os podcasts do Fantástico O podcast Isso É Fantástico está disponível no g1 e nos principais aplicativos de podcasts, trazendo grandes reportagens, investigações e histórias fascinantes em podcast com o selo de jornalismo do Fantástico: profundidade, contexto e informação. Siga, curta ou assine o Isso É Fantástico no seu tocador de podcasts favorito. Todo domingo tem um episódio novo. PRAZER, RENATA O podcast 'Prazer, Renata' está disponível no g1 e nos principais aplicativos de podcasts. Siga, assine e curta o 'Prazer, Renata' na sua plataforma preferida. BICHOS NA ESCUTA O podcast 'Bichos Na Escuta' está disponível no g1 e nos principais aplicativos de podcasts.

FONTE: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/07/13/paraty-disputa-por-terras-leiloadas-ameaca-tranquilidade-e-patrimonio-mundial.ghtml


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